Confira a entrevista de Isabel Guilisasti, vice-presidente de Vinhos Finos e Imagem Corporativa da Viña Concha y Toro, para o influente jornal El Mercurio, na qual ela proporcionou valiosos insights sobre tendências na indústria do vinho.
Ela é uma das 100 mulheres mais importantes da indústria vitivinícola mundial. No ano passado, assumiu uma nova área da vinícola, a Luxury Brands Division, composta por um portfólio de 14 marcas de alta gama. Ela diz que é aí que o crescimento vai estar. “Tem sido uma coisa difícil para o nosso país”, reconhece Isabel Guilisasti em relação ao aumento da média de preços. E destaca que a crise da Concha y Toro ficou para trás. Maria José Tapia
“Adoro ir aos países que são o nosso mercado, porque a gente fica cheio de energia.” Estes últimos anos, Isabel Guilisasti Gana tem viajado mais do que de costume.
Em 2023, ela passou a liderar a nova área de vinhos de alta gama da Concha y Toro, a Luxury Brands Division, como vice-presidente de Vinhos Finos e Imagem Corporativa. Ela é a cara visível desse portfólio que, reconhece, exige o contato com o consumidor. A este marco, ela agregou outro: o ícone desse pool de rótulos, o Don Melchor, completou 35 safras, o que impulsionou uma turnê pelos principais mercados. “A história por trás deste vinho reflete o que é a nossa paixão, nossa busca por conservar um terroir que recebemos”, relata justamente no restaurado casarão Don Melchor, em Pirque. Em 2019, essa marca ficou independente da matriz. “Já tinha 30 anos, tinha conseguido reconhecimento a nível mundial. Por isso, era hora de dar independência para este filho”, comenta Enrique Tirado, seu gerente geral.
Guilisasti, uma das 100 mulheres mais importantes da indústria a nível mundial, relata emocionada a história dessa marca. Ela conta que a Concha y Toro, holding controlada pela família Guilisasti e que fatura mais de US$ 900 milhões anualmente, foi fundada em 1883 por dom Melchor. No fim dos anos 80 se abriu a possibilidade de exportar vinhos premium a partir do Chile. “Temos um terroir muito especial que é Puente Alto. E nos demos conta de que este lugar tinha qualidades muito boas para produzir Cabernet-Sauvignon.”
Viajaram à França, viram com especialistas se essa superfície tinha possibilidades… e tinha. Nasceu o Don Melchor. Na segunda safra, foi selecionado entre os 100 melhores vinhos do mundo, um marco inédito para o setor. “Isso mudou a imagem do Chile.” Em 1996, a Concha y Toro faria uma aliança com a Baron Philippe de Rothschild, donos da Mouton Rothschild… e começariam a trilha pelos vinhos de alta gama.
—Em 2017, vocês lançaram a estratégia de premiumização. Como ela se enquadra nesta história?
“Em 2017, observamos a indústria e o grande crescimento aconteceria nesta premiumização do vinho. Víamos também um consumidor que estava disposto a gastar mais por vinhos de preço mais alto. E a companhia decidiu optar pela premiumização, em que íamos focar todos os nossos esforços desde as marcas premium para cima. E foi uma estratégia bem-sucedida. Mais de 50% do faturamento vem do segmento de vinhos premium. E definimos quais seriam os líderes desta premiumização: dentro dos premium, o Casillero del Diablo, e do segmento ícone, o Don Melchor. E é aí que o Don Melchor ganhou um papel liderando, de alguma forma, o portfólio 2023 de vinhos finos da companhia.”
—E aí foi criada a Luxury Brand Division, que ele lidera?
“Em 2023 decidimos formar esta Luxury Brand Division, que são as marcas que pertencem ao segmento ultra premium e ícone da companhia, com marcas das três origens: Chile, EUA e Argentina. É um portfólio de 14 marcas, para o qual definimos uma estratégia de premiumização muito mais profunda. Quais seriam os nossos canais de venda, a nossa rede de distribuição, quem participaria desta equipe da Luxury Brand Division? Aqui tínhamos que ir a um segmento em que pudéssemos nos conectar diretamente com o nosso consumidor. E construímos uma rede, que chamamos de Luxury Brand Division, com pessoas no Brasil, Reino Unido, China, Ásia-Pacífico, Estados Unidos, que trabalham exclusivamente para isso.”
—Foi difícil para a indústria conseguir concretizar isso, de avançar para uma média mais alta de preços e abandonar o estigma de bom, bonito e barato. Por quê?
“Tem sido uma coisa difícil para o nosso país. Na indústria vitivinícola existe o que chamamos de Velho Mundo: França e Itália. E a história é marcada por esses vinhos como os de maior valor. O novo mundo começou a participar desta indústria com propostas um pouco mais tímidas no começo, mais orientadas ao volume, e aos poucos tivemos que ir conquistando o consumidor de luxo. Hoje esse consumidor de luxo mudou, não é mais o que era antigamente, que só tomava vinho francês. E essa transição é uma grande oportunidade para o vinho chileno e do Novo Mundo, para subir na percepção de valor. À medida que o Chile, a Australia, a Califórnia, forem produzindo vinhos de alta qualidade, as portas vão se abrindo para o segmento ir subindo de preço ao qual o Novo Mundo estava destinado. Hoje, por exemplo, um vinho da Califórnia pode custar 30 a 40% menos que um Mouton.”
—Mas estamos muito tímidos? A gente escuta isso há décadas, e o preço médio caiu 6,6%.
“A nível global, o que vem crescendo é desde premium para cima. Veio uma espécie de redefinição depois da pandemia, desacelerou, porque as taxas de crescimento foram tão altas que a gente tendia a pensar que esse índice continuaria crescendo da mesma forma, mas não foi assim, devido à inflação, taxas de juros, a quantidade de estoque que tem no mundo. Agora, qual é o nosso trabalho como Chile? Por que é tão difícil para nós? Não é por uma situação de mercado pontualmente, não é porque tem menos consumidores, não é porque o segmento premium não está crescendo. Não é por isso. Tem a ver com como fomos nos posicionando como país a nível mundial.”
—Quanto a sermos bom, bonito e barato?
“Quanto à dificuldade de fazer essa mudança, porque hoje você pergunta: como podemos posicionar nossos vinhos de forma que sejam acessíveis a este novo consumidor mundial? Como podemos fazer com que estes vinhos gerem mais valor? E aí, através da associação entre as vinícolas, tem-se buscado insights para atrair o novo consumidor.”
—E o que esse novo consumidor está procurando?
“O novo consumidor está marcado pela geração Z e pelos millennials, que são totalmente diferentes. Hoje, os 4Ps clássicos do marketing (preço, praça, produto e promoção), que nascem do produto, não são suficientes para vender. Você tem que acrescentar os 4Es: emoção, experiência, exclusividade e extensão de valores, em como você se conecta com o consumidor. Colocar o produto na gôndola não é suficiente, você tem que gerar uma experiência relacionada ao produto. Antes era o produto quem mandava, hoje é o consumidor; então, você tem que gerar um vínculo com ele.”
—Como o Chile está fazendo isso?
“Estamos com essa estratégia hoje. A associação Wines of Chile está trabalhando fortemente para mostrar esse mundo mais natural, mais autêntico, mais escondido, que tem a ver com paisagens geográficas do país, como a Patagônia. Essa é a grande campanha que a Wines of Chile está fazendo atualmente. Mas você também pode gerar novas experiências relacionadas à sua marca.”
“A indústria está sendo desafiada”
—Como a indústria está sendo desafiada hoje? O valor do Don Melchor caiu 14,5% no primeiro semestre…
“A indústria está sendo desafiada, porque o cenário mundial está complicado. Tem volatilidade, altas taxas de juro, mas isso não significa que vão parar de consumir vinho. Agora, quem vai consumir bem ou quem vai consumir mal é a grande questão. Ou como entender o mercado atual? Como a Concha y Toro ou outra empresa pode se adaptar a esta nova geração? Essa é a grande questão, esse é o grande desafio. O mundo mudou, e é isso que temos que pensar: as pessoas não compram produtos, compram experiência. E é aí que temos o grande desafio, não só nós, mas toda a indústria a nível mundial. É um cenário novo e a indústria precisa se adaptar, tem que criar e proporcionar mais valor.”
—Vocês, que há tantos anos têm esta estratégia de premiumização, têm uma vantagem em relação à concorrência?
“Sim, ainda precisamos crescer muito, mas é claro que você tem vantagem quando começa a visualizar uma estratégia anos antes e faz com que toda a sua companhia tenha essa visão, essa perspectiva.”
—Este semestre, o lucro aumentou 263%. A crise já passou para a companhia?
“Acredito que sim. Claro, tem alguns momentos em que a gente pode ter certos desestabilizadores, como em 2023, onde os distribuidores ou os pontos de venda por varejo se abasteceram de um estoque enorme de vinho, mas hoje isso não é mais um problema. E estamos nesse ponto, e acredito que o crescimento na indústria do vinho vai ser conseguido através da inovação, de novos lançamentos, da compreensão de quem é o consumidor. Se você começa a trabalhar com todos estes insights, você só deveria gerar crescimento. Em 2019, de fato, também começamos com o mundo das experiências. E abrimos a experiência Don Melchor no casarão. E hoje estamos investindo nisso.”
—Este consumidor é chileno ou estrangeiro?
“Principalmente brasileiros, são fascinados pelo vinho. O Chile está muito bem posicionado na América do Sul como país produtor de grandes vinhos. Já conseguimos esta conquista.”
—E a Argentina está conseguindo o mesmo desenvolvimento em vinhos de alta gama?
“Sim. A Argentina é um grande produtor de Malbec e se posicionou bastante bem em alguns países específicos. O Chile tem uma maior globalidade, está em mais países e está há muito mais anos do que a Argentina conquistando o mundo. Além disso, o luxo tem se democratizado: antes, para ter acesso ao mundo do luxo, você precisava ter um padrão muito alto; hoje em dia para este consumidor jovem de 30 ou 35 anos, o luxo está mais acessível, é um mundo bem mais transversal.”
—Para muitas empresas é difícil se alinhar com seu consumidor…
“É uma questão de observação. Nós nos focamos muito em entender este novo consumidor. Antes de 2017, dissemos: ‘OK, a companhia não é mais uma empresa centrada na comunicação do produtor de vinho, mas sim em como chegamos a esse consumidor para poder proporcionar os valores que ele deseja alcançar.’ Tem visão, e aí o meu irmão Eduardo sempre esteve muito focado nisso e nos fez observar o consumidor com mais atenção e dedicação. Mas ao mesmo tempo não basta saber, você precisa sentir. E essa empatia de entender o consumidor está relacionada com estar atualizado, de não ficar estancado nos velhos paradigmas, mas sim estar aberto à mudança.
Por isso gosto de uma frase de Bernard Arnault, dono da LVMH. Ele diz que uma grande marca sempre honra seu passado e é vista como altamente contemporânea. Para mim, esta tem sido a grande inspiração da minha vida. Na Concha y Toro, nós nos dedicamos a honrar o passado, mas ao mesmo tempo em sermos vistos como altamente contemporâneos. Isso é o que tem nos permitido estar atuais e liderando de alguma forma a indústria vitivinícola.”
—E principalmente quando por um lado têm uma estratégia, mas por outro um desafio econômico importante. O lucro de vocês caiu mais de 50% em um minuto.
“Nestas coisas é preciso ousar, porque às vezes são grandes oportunidades. E fechar os olhos e apostar em algo que você acredita profundamente. E também observar certas estatísticas. Entre 2018 e 2023, a indústria do luxo cresceu 63% em valor. Para 2025 se projeta um crescimento de 20%, e para 2028 se espera 2,1 bilhões de euros de vendas. E dentro da indústria do luxo, o turismo, o Fine Wine and Spirits e a gastronomia estão entre os cinco segmentos mais importantes. Então, a indústria do vinho vai crescer, independentemente da situação atual.”
—Quais são as projeções se 53% das ventas já são premium e categorias superiores?
“O superluxo representa menos de 4% da companhia. E pensamos em chegar pelo menos a 5% em 2027. O valor deste segmento é bem importante. E vamos conseguir.”
—Aurelio Montes disse que a indústria só se recuperaria em 2026. Qual é a projeção de vocês?
“É difícil visualizar, porque acontecem muitas cosas no cenário econômico mundial, mas independentemente disso, se conseguimos posicionar o Chile e ter marcas consolidadas desde o segmento premium para cima, deveríamos alcançar um crescimento.”
—Para 2026 ou para 2025?
“Acho que para 2026.”
—E como a Concha y Toro transita nesse cenário?
“No caso da Concha y Toro, a diversidade de mercado permite navegar melhor em momentos de maior dificuldade. Como companhia, a única coisa que sabemos fazer é vinho. E cada dia está focado em como agregamos maior valor ou valorizamos a indústria. É uma abordagem 100% focada no mundo do vinho. Navegamos um pouco nas tormentas, mas a rota está clara.”
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